segunda-feira, 22 de junho de 2015

OS DOIS IRMÃOS E OS GOVERNOS

              Eram dois os filhos do seu Adamastor, o André e o João. Eram gêmeos, mas somente porque nasceram da mesma fornada, pois tinham comportamentos totalmente diverso um do outro. O Adamastor era funcionário público, tinha casa própria na cidade e herdara do pai umas terras as quais arrendava a terceiros para complemento da renda. Procurou criar seus filhos dando a um tratamento similar ao que dava a outro. Este tratamento semelhante aos dois rebentos lhe trazia alguma dificuldade, pois o André tinha hábitos urbanos, sendo que o João gostava mais das lides campeiras. Sempre que podia o João rumava para a zona rural, isto acontecia durante as férias escolares, por exemplo, sendo que André ou ia para a praia com seus pais, quando isto acontecia, ou ficava em casa lendo e jogando futebol com seus amigos. Sonhava ser atleta, mas nunca passou de segundo reserva do time da escola.
            Crescidos os dois, já órfãos de pai e mãe, cada um seguiu seu rumo, o André herdou a casa da cidade e o João o pedaço de terra e viveu modestamente cuidando deste patrimônio, sem muitos avanços ou retrocessos, somente se aprimorando, eventualmente, com as técnicas afins de seus afazeres. Mas o André, ao qual eu gostaria de me ater mais em seus comportamentos, era um cidadão urbano, conhecido na cidade, com ótima reputação, casado com uma moça da sociedade, frequentador dos clubes da cidade, do rotary e demais entidades que lhe proporcionavam algum status. Formou-se em direito, mas nunca exerceu a profissão já que era funcionário de uma grande empresa, foi vereador, candidato a prefeito e sempre envolvido com ações sociais. Estes envolvimentos todos, não lhe permitiam viver modestamente, tinha ele, algumas obrigações sociais que lhe aviltava o orçamento doméstico. Seus filhos eram amigos dos filhos do prefeito, e frequentavam também a alta sociedade, André tinha conta no banco oficial, tinha cheque especial e sempre que aparecia alguma linha de crédito subsidiada o gerente o informava e ele seguidamente usufruía destas benesses. Nunca deixou faltar nada em casa, tirava férias, sempre de trinta dias, afinal de contas, temos que descansar para preservar a saúde, e saúde em primeiro lugar. Sempre ouviu dizer isto, e usava como desculpa para aproveitar o período total que lhe era permitido de descanso. Trocava de carro de dois em dois anos, o vendedor, lhe demonstrou que assim ele não perderia valor de revenda, fazia um financiamento, ou consórcio do valor faltante e assim andava sempre de carro novo, ou quase isto. Mas as coisas, com o tempo, foram se desgastando, doenças, reformas e alguns imprevistos, fizeram com que o nosso protagonista da história fosse se descapitalizando. Os recursos auferidos com o salário, que nunca foram suficientes para pagar todas as despesas, e eram complementados com empréstimos bancários, ficaram cada vez mais escassos. Nas primeiras dificuldades, começou a parcelar o pagamento do cartão de crédito e quando houve o primeiro atraso, foi aconselhado a fazer um empréstimo grande, a fim de saldar todas as dívidas e reorganizar as suas finanças. Assim foi feito e, como diz o ditado, “enquanto o pau vai e vem, as costas folgam”. Seria necessário austeridade para pagar a parcela deste empréstimo, mas isto não passava pelo cotidiano da família de André, acostumados com facilidades, quando se viram privado destas, surgiram os primeiros conflitos familiares. Amigos interviram, ajudando com conselhos, alguns úteis, mas não seguidos, e outros totalmente inúteis, mas palatáveis as necessidades da família. Ele não poderia deixar de pagar a aula de inglês dos filhos, sendo que deveria pensar no futuro destes, não poderia também convencer a esposa de não ir as aulas de ginástica e natação, pois “saúde em primeiro lugar”. As jantas no clube e as reuniões, também não poderiam ser suprimidas, pois eram um investimento a longo prazo. Se o banco estava lhe cobrando, de forma acintosa para que fizesse os pagamentos que estavam em atraso, ele que procurasse outro banco, que mesmo com taxas mais elevadas, lhe proporcionaria um maior prazo e ele poderia conseguir facilmente um recurso, tendo em vista que tinha sua casa e seu veículo, que poderiam servir como garantia. Assim foi feito. André poderia passar na frente do Banco oficial, entrar, tomar um cafezinho, conversar com os amigos, sem ser importunado pelo gerente de sua conta, senão para, eventualmente lhe oferecer algum ingresso para algum evento, afinal ele ainda era um cidadão de grande prestígio na cidade. Cessaram-se as cobranças inoportunas e quando havia um atraso no pagamento, a parcela faltante, segundo clausula contratual, passava para o final do empréstimo, evitando-se assim o constrangimento de correspondências em baixo da porta quando havia falta de pagamento. Pelo contrário, ele nem tomava conhecimento destes fatos. Parcela não paga, o juro é mais caro, mas isto é lá para o fim do contrato. Quem já lidou com instituições financeiras sabe muito bem que,”quarda-chuvas de banco só abre, quando faz sol”. Cessado o crédito, vai diminuindo o prestígio e cai a reputação e sem reputação não tem mais crédito e vira um circulo vicioso. Quando a garantia não foi mais suficiente para saldar a dívida, o devedor foi chamado à remir parte da dívida ou apresentar novos bens como garantia. O irmão João foi chamado em socorro, mas sentindo que seria uma investida inútil, tendo em vista que o irmão negava-se a diminuir suas despesas, negou-se ao socorro. Apesar dos parcos conhecimentos jurídicos e contábeis, João sempre achou que quando se gasta mais do que se recebe, no futuro, alguém tem de pagar a conta, ele não estava disposto a isto, pois não tinha nada a ver com os desarranjos financeiros do irmão que, ao contrário dele, que tinha menos conhecimento, não soube administrar os seus bens.
            Será sempre assim. Quem gasta mais do que recebe, mais cedo ou mais tarde, terá dificuldades e é de bom alvitre que se ouça quem lhe tenta ajudar, mesmo que lhe digam coisas que não são muito agradáveis. O nosso governo estimulou as famílias a se endividarem, muitas acima de sua capacidade de pagamento e muitas fizeram isto. Todas arrependidas e com poucas chances de reverter a situação. Pior. O nosso governo fez o mesmo e agora não tem como ajudar àqueles a que aconselhou mal. Eu que sempre critiquei o governo de dizer uma coisa e fazer outra, desta vez não tenho nenhuma razão. O governo além de fazer errado, orgulhou-se disso e fez mais. Induziu o povo a fazer também. Deu no que deu. Igual ao nosso herói, o Brasil vai colher os mesmos frutos. Não deve nada ao FMI, mas está pedindo auxílio à países e entidades “amigas”, que logo cobrarão seu preço. Imagino que o irmão também, no futuro, não o auxiliará quando o credor bater a porta.

Afonso Pires Faria, 22 de junho de 2015. 

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