Eram dois os filhos do seu
Adamastor, o André e o João. Eram gêmeos, mas somente porque nasceram da mesma
fornada, pois tinham comportamentos totalmente diverso um do outro. O Adamastor
era funcionário público, tinha casa própria na cidade e herdara do pai umas
terras as quais arrendava a terceiros para complemento da renda. Procurou criar
seus filhos dando a um tratamento similar ao que dava a outro. Este tratamento
semelhante aos dois rebentos lhe trazia alguma dificuldade, pois o André tinha
hábitos urbanos, sendo que o João gostava mais das lides campeiras. Sempre que
podia o João rumava para a zona rural, isto acontecia durante as férias
escolares, por exemplo, sendo que André ou ia para a praia com seus pais,
quando isto acontecia, ou ficava em casa lendo e jogando futebol com seus
amigos. Sonhava ser atleta, mas nunca passou de segundo reserva do time da
escola.
Crescidos os dois, já órfãos de pai e mãe, cada um seguiu
seu rumo, o André herdou a casa da cidade e o João o pedaço de terra e viveu
modestamente cuidando deste patrimônio, sem muitos avanços ou retrocessos,
somente se aprimorando, eventualmente, com as técnicas afins de seus afazeres.
Mas o André, ao qual eu gostaria de me ater mais em seus comportamentos, era um
cidadão urbano, conhecido na cidade, com ótima reputação, casado com uma moça
da sociedade, frequentador dos clubes da cidade, do rotary e demais entidades
que lhe proporcionavam algum status. Formou-se em direito, mas nunca exerceu a
profissão já que era funcionário de uma grande empresa, foi vereador, candidato
a prefeito e sempre envolvido com ações sociais. Estes envolvimentos todos, não
lhe permitiam viver modestamente, tinha ele, algumas obrigações sociais que lhe
aviltava o orçamento doméstico. Seus filhos eram amigos dos filhos do prefeito,
e frequentavam também a alta sociedade, André tinha conta no banco oficial,
tinha cheque especial e sempre que aparecia alguma linha de crédito subsidiada
o gerente o informava e ele seguidamente usufruía destas benesses. Nunca deixou
faltar nada em casa, tirava férias, sempre de trinta dias, afinal de contas, temos
que descansar para preservar a saúde, e saúde em primeiro lugar. Sempre ouviu
dizer isto, e usava como desculpa para aproveitar o período total que lhe era
permitido de descanso. Trocava de carro de dois em dois anos, o vendedor, lhe
demonstrou que assim ele não perderia valor de revenda, fazia um financiamento,
ou consórcio do valor faltante e assim andava sempre de carro novo, ou quase
isto. Mas as coisas, com o tempo, foram se desgastando, doenças, reformas e
alguns imprevistos, fizeram com que o nosso protagonista da história fosse se
descapitalizando. Os recursos auferidos com o salário, que nunca foram suficientes
para pagar todas as despesas, e eram complementados com empréstimos bancários, ficaram
cada vez mais escassos. Nas primeiras dificuldades, começou a parcelar o
pagamento do cartão de crédito e quando houve o primeiro atraso, foi
aconselhado a fazer um empréstimo grande, a fim de saldar todas as dívidas e
reorganizar as suas finanças. Assim foi feito e, como diz o ditado, “enquanto o
pau vai e vem, as costas folgam”. Seria necessário austeridade para pagar a
parcela deste empréstimo, mas isto não passava pelo cotidiano da família de
André, acostumados com facilidades, quando se viram privado destas, surgiram os
primeiros conflitos familiares. Amigos interviram, ajudando com conselhos,
alguns úteis, mas não seguidos, e outros totalmente inúteis, mas palatáveis as
necessidades da família. Ele não poderia deixar de pagar a aula de inglês dos
filhos, sendo que deveria pensar no futuro destes, não poderia também convencer
a esposa de não ir as aulas de ginástica e natação, pois “saúde em primeiro
lugar”. As jantas no clube e as reuniões, também não poderiam ser suprimidas,
pois eram um investimento a longo prazo. Se o banco estava lhe cobrando, de
forma acintosa para que fizesse os pagamentos que estavam em atraso, ele que
procurasse outro banco, que mesmo com taxas mais elevadas, lhe proporcionaria
um maior prazo e ele poderia conseguir facilmente um recurso, tendo em vista
que tinha sua casa e seu veículo, que poderiam servir como garantia. Assim foi
feito. André poderia passar na frente do Banco oficial, entrar, tomar um
cafezinho, conversar com os amigos, sem ser importunado pelo gerente de sua
conta, senão para, eventualmente lhe oferecer algum ingresso para algum evento,
afinal ele ainda era um cidadão de grande prestígio na cidade. Cessaram-se as
cobranças inoportunas e quando havia um atraso no pagamento, a parcela
faltante, segundo clausula contratual, passava para o final do empréstimo,
evitando-se assim o constrangimento de correspondências em baixo da porta
quando havia falta de pagamento. Pelo contrário, ele nem tomava conhecimento
destes fatos. Parcela não paga, o juro é mais caro, mas isto é lá para o fim do
contrato. Quem já lidou com instituições financeiras sabe muito bem que,”quarda-chuvas
de banco só abre, quando faz sol”. Cessado o crédito, vai diminuindo o
prestígio e cai a reputação e sem reputação não tem mais crédito e vira um
circulo vicioso. Quando a garantia não foi mais suficiente para saldar a
dívida, o devedor foi chamado à remir parte da dívida ou apresentar novos bens
como garantia. O irmão João foi chamado em socorro, mas sentindo que seria uma
investida inútil, tendo em vista que o irmão negava-se a diminuir suas
despesas, negou-se ao socorro. Apesar dos parcos conhecimentos jurídicos e
contábeis, João sempre achou que quando se gasta mais do que se recebe, no
futuro, alguém tem de pagar a conta, ele não estava disposto a isto, pois não
tinha nada a ver com os desarranjos financeiros do irmão que, ao contrário
dele, que tinha menos conhecimento, não soube administrar os seus bens.
Será sempre assim. Quem gasta mais do que recebe, mais
cedo ou mais tarde, terá dificuldades e é de bom alvitre que se ouça quem lhe
tenta ajudar, mesmo que lhe digam coisas que não são muito agradáveis. O nosso
governo estimulou as famílias a se endividarem, muitas acima de sua capacidade
de pagamento e muitas fizeram isto. Todas arrependidas e com poucas chances de
reverter a situação. Pior. O nosso governo fez o mesmo e agora não tem como
ajudar àqueles a que aconselhou mal. Eu que sempre critiquei o governo de dizer
uma coisa e fazer outra, desta vez não tenho nenhuma razão. O governo além de
fazer errado, orgulhou-se disso e fez mais. Induziu o povo a fazer também. Deu
no que deu. Igual ao nosso herói, o Brasil vai colher os mesmos frutos. Não
deve nada ao FMI, mas está pedindo auxílio à países e entidades “amigas”, que
logo cobrarão seu preço. Imagino que o irmão também, no futuro, não o auxiliará
quando o credor bater a porta.
Afonso Pires Faria, 22 de
junho de 2015.