sábado, 2 de dezembro de 2023

RACISMO IMPOSTO.

 

Fui criado em uma fazenda de propriedade do tio Manoel. Seus filhos a tia Neida e o Zeca. Meu pai era o capataz, responsável pela administração desta propriedade que era uma das outras três que o meu tio possuía. Os empregados eram contratados pelo meu pai. Era ele que fazia as escolhas. Dentre eles o seu Alcir, um negro de meia idade. Sim, ele era chamado de “seu Alcir” por todos, inclusive pelo meu pai, o filho do dono da fazenda e pelo próprio. De todos os citados, o único que era negro era ele, o “seu Alcir”. Mas vejam que hierarquicamente não havia nenhum motivo para ele ter um tratamento de senhorio, tanto pelo seu contratante, meu pai, como pelo filho do dono da fazenda, o Zeca e nem mesmo pelo dono da propriedade, o tio Manoel. Mas eram assim chamados. O tio Manoel, o Zeca e o seu Alcir. Trabalhei no Banco do Brasil onde no final de minha estada em São Sepé, a composição era a seguinte: O gerente era o Eden Jaskulski, um polaco, e o continuo o seu Zé, um mulato. Vejam a forma com que eram tratados os referidos elementos. O gerente era o Eden, o contínuo o seu Zé. O gerente era branco e o contínuo um mulato. Mas as formas de nos referirmos a cada um deles era distinta, o gerente era “tu” e o continuo era “seu”. Nunca o Zeca se sentiu ofendido por chamar o empregado do empregado do seu pai, por um tratamento mais pomposo do que o seu, mesmo sendo ele o filho do dono da propriedade e o seu Alcir o empregado do empregado do seu pai. O mesmo acontecia na agência do banco. Era com a maior normalidade que se tratava o gerente de “tu”, e o contínuo de “seu”. Alguma coisa existia, que nos induzia a usar o pronome de tratamento de acordo com o respeito que tínhamos a pessoa a qual nos reportávamos. Esta, certamente não era a cor da pele. Hoje somos impedidos de fazer qualquer referência a cor, tanto da pele quanto de qualquer outro objeto. Recentemente a ministra Marina se sentiu ofendida por uma pessoa usar o termo “caixa preta”, sendo que ela mesma já havia feito tal referência. Tenho o maior respeito por ter um amigo que é “negão, comunista e corintiano”, quando brinco com ele destas características, ele ri e nem da bola. Sabe que eu estou me ridicularizando pela minha incapacidade de saber discernir as coisas de forma correta. Claro que ele sabe que eu não estou falando sério. E nunca me processou por isso. Também o filho do dono da fazenda e nem o gerente do banco, agiu como a juíza que exigiu da testemunha, ser tratada como “vossa excelência”. Será que algum dia seremos processados pelo crime de “livrepensar”?. Ah! George Orwell, ainda bem que não estás entre nós, senão estaria ainda dando ideias aos ditadores de plantão.

Afonso Pires Faria, 02.12.2023.